- Google é acusado de favorecer posições políticas em notícias
- A maneira com que financia parte do jornalismo é polêmica
- Os resultados privilegiam grandes portais
Como parte da nossa série de reportagens sobre o Google News e suas iniciativas, hoje, mostraremos alguns estudos que também colocam em xeque a relação do Google com os Publishers. Aparentemente, para alguns, ela é benéfica, enquanto que, para outros, é praticamente inexistentes.
- Google News e Turquia
- A desinformação nos painéis de conheicmento e a falta de responsabilidade
- Algoritmos que favorecem a mídia pró-governo
- O lucro do Google com a desinformação
- Inconsistências e falhas de políticas em nível global
- Atividades financeiras questionáveis
- A América Latina em risco
- O custo invisível de aparecer no Google
- O legado que o algoritmo protege
- Uma história de domínio crescente
- Iniciativas insuficientes
- O que fazer?
- Democracia em risco
- O privilégio dos grandes portais
Nesse cenário, mostraremos três visões sobre o serviço em todo o mundo. Para começar, repercutiremos um relatório de 2023 sobre a relação da Big Tech na Turquia. Depois, uma análise sobre a América Latina. Por fim, mostraremos como os grandes portais são beneficiados historicamente pelo Google.
Google News e Turquia
Em uma era digital onde o acesso à informação molda a opinião pública e a democracia, a influência de gigantes da tecnologia como o Google é indiscutível. Um relatório de agosto de 2023 de uma organização de verificação de fatos da Turquia, a Teyit, lança uma luz crítica sobre as políticas de desinformação e mídia do Google, com um foco particular no país. O documento levanta sérias preocupações sobre a forma como a empresa aborda a questão do acesso à informação precisa, destacando uma série de inconsistências e falhas que, segundo a Teyit, prejudicam o ecossistema de mídia turco e ameaçam a liberdade de expressão.
O Google, o mecanismo de busca mais usado na Turquia, desempenha um papel central no acesso a notícias e informações. No entanto, o relatório sugere que a empresa não cumpre suas responsabilidades em relação a esse papel.
A desinformação nos painéis de conheicmento e a falta de responsabilidade
Uma das críticas mais contundentes do relatório diz respeito aos painéis de conhecimento do Google. Esses painéis, que são gerados automaticamente e compilam informações de diversas fontes online, são uma fonte de preocupação.
O relatório da Teyit cita um caso em que o painel de conhecimento de Neptün Soyer, esposa do prefeito de Esmirna, Tunç Soyer, continha a informação falsa de que ela se casou aos 14 anos. A informação incorreta se espalhou rapidamente nas redes sociais e foi utilizada em ataques políticos. O relatório aponta que o Google não verifica as informações nesses painéis e não utiliza mecanismos de controle. A única maneira de corrigir informações erradas é contatar o Google, o que, segundo o documento, não é um processo rápido e acessível a todos.

Outro exemplo é o caso do prefeito de Istambul, Ekrem İmamoğlu, que apareceu nos resultados de busca do Google como “ex-prefeito”. Embora o painel pudesse ser alterado a pedido do próprio político, a Teyit ressalta que o Google não leva em consideração a rapidez com que a desinformação se espalha e os riscos que ela pode causar. A empresa é criticada por só agir após a ocorrência de crises, em vez de tomar medidas preventivas.
Algoritmos que favorecem a mídia pró-governo
O relatório da Teyit, em colaboração com o Instituto Internacional de Imprensa (IPI), revela uma discrepância notável no tratamento da mídia pelo algoritmo de busca do Google na Turquia. Apesar de a mídia independente ter uma audiência digital em rápido crescimento e um forte engajamento nas redes sociais, o algoritmo do Google continua a favorecer de forma desproporcional a mídia pró-governo.
Uma análise de dados de novembro de 2020 mostrou que 90,6% dos resultados de notícias mais lidas vieram de apenas três veículos de notícias pró-governo. No Google News, a visibilidade concedida à mídia pró-governo foi de 73,8%, contra apenas 26,2% para a mídia independente.
Essa preferência algorítmica não apenas limita o acesso do público a uma variedade de perspectivas, mas também, segundo o relatório, corre o risco de amplificar campanhas de desinformação e discurso de ódio lançadas por organizações pró-governo. O relatório questiona o compromisso do Google com um ambiente de mídia justo e inclusivo na Turquia, observando que o comportamento do algoritmo é “notavelmente diferente” do que é visto em países como os EUA.
O lucro do Google com a desinformação
Um dos achados mais alarmantes do relatório é a constatação de que o Google financia indiretamente a desinformação por meio de sua plataforma de publicidade. Pesquisas da ProPublica, citadas no documento, indicam que o Google exibe anúncios em sites que violam suas próprias políticas de publicidade. Um estudo focado em publicações em idiomas não-ingleses mostrou que a Turquia tem a maior porcentagem de veículos que espalham desinformação e lucram com anúncios do Google. A pesquisa revelou que 90% dos 50 principais sites de desinformação na Turquia contêm anúncios do Google.
A falta de transparência do Google em relação aos seus parceiros de publicidade é outro ponto de crítica. O relatório menciona que a empresa oculta a maioria de seus parceiros e não divulga informações sobre onde o dinheiro dos anunciantes é gasto. Essa falta de transparência é vista como um obstáculo ao acesso à informação precisa e às práticas de publicidade ética, permitindo que partes mal-intencionadas visem usuários com informações falsas ou enganosas.
Inconsistências e falhas de políticas em nível global
O relatório detalha uma série de recursos e políticas que o Google implementa em outros países, mas não na Turquia. Isso inclui a ausência da seção de verificação de fatos no Google News para os usuários turcos. Embora a Turquia seja um dos países onde o Google é amplamente usado para notícias, essa ferramenta, que ajuda a identificar conteúdo verificado, não está disponível.
Outro ponto é a complacência do Google com as “táticas de SEO” (otimização para motores de busca) na Turquia. Segundo o relatório, o Google ignora o “keyword stuffing” (repetição excessiva de palavras-chave) de portais de notícias pró-governo, uma prática que viola as próprias diretrizes de qualidade de conteúdo da empresa.
Além disso, o Google não utiliza relatórios de transparência para anúncios políticos na Turquia, o que, de acordo com a Teyit, dificulta saber qual político ou partido está veiculando propaganda com qual orçamento, especialmente em períodos eleitorais.
Atividades financeiras questionáveis
O relatório também questiona o apoio financeiro do Google à mídia turca. O Fundo de Equidade do Google News (Google News Equity Fund), por exemplo, não selecionou nenhuma organização turca em 2022, apesar de a Turquia ter uma vasta população com comunidades sub-representadas.
O documento menciona que o Google concedeu apoio financeiro ao Demirören Media Group, conhecido por sua política editorial pró-governo, por meio do GNI Innovation Challenge. O relatório da Teyit destaca que, embora o Google afirme querer apoiar a digitalização, ele parece não entender as necessidades da mídia na Turquia, que incluem o fortalecimento de recursos humanos e da capacidade editorial.
Em um contexto onde a sustentabilidade financeira é um problema central para a mídia, o relatório aponta para a disparidade na relação entre veículos de notícias e plataformas. Embora a União Europeia tenha aprovado uma diretiva que obriga plataformas como o Google a pagar por trechos de notícias, uma lei semelhante ainda não é vinculante na Turquia.
Em suma, o relatório da Teyit pinta um quadro de um Google que, na Turquia, falha em implementar consistentemente os mesmos padrões de transparência, imparcialidade e apoio à mídia que aplica em outras partes do mundo. As recomendações do documento instam a empresa a melhorar a transparência de seus algoritmos, priorizar fontes confiáveis, fortalecer a colaboração com verificadores de fatos e estender suas melhores práticas a todas as regiões e idiomas, garantindo assim um ecossistema de informação mais saudável e democrático.
A América Latina em risco
Se o cenário turco mostra desconfiança, o mesmo pode-se dizer do latino-americano. José Maria León Cabrera fez uma excelente cobertura sobre como o Google News Initiative foi utilizado para diminuir o impacto das publicações independentes.
Depois de esmagar o modelo de negócios da publicidade — por décadas a base de sobrevivência da maioria das empresas de mídia — o Google decidiu investir para “remediar” o golpe que ele próprio desferiu. Em 2018, lançou a Google News Initiative (GNI), prometendo ajudar “publicações de qualidade a florescer”. Mais de US$ 300 milhões foram distribuídos em projetos ao redor do mundo.
Mas, na América Latina, esse florescimento está longe de acontecer. Enquanto a gigante de Mountain View exibe programas de apoio, redações independentes continuam asfixiadas por um conjunto de regras que o próprio Google impôs: os padrões de SEO.
O custo invisível de aparecer no Google
Para que uma reportagem seja minimamente competitiva no buscador, não basta apurar bem. É preciso investir em ferramentas e equipes capazes de atender a exigências técnicas que vão de velocidade de carregamento a marcações de dados estruturados. Plataformas como Semrush, Chartbeat e serviços de monitoramento social se tornaram quase obrigatórias — e caras.
Pequenos veículos, dependentes de subsídios ou do pouco que sobra do mercado publicitário, simplesmente não conseguem bancar. O resultado é um ciclo vicioso:
- Sem recursos para otimização, o site perde tráfego.
- Menos tráfego significa menos anunciantes.
- Menos anunciantes reduzem ainda mais a capacidade de investimento.
No fim da cadeia, quem perde é o público, que deixa de ter acesso a reportagens investigativas e análises profundas — justamente o tipo de jornalismo que fortalece democracias frágeis.
O legado que o algoritmo protege
Estudos já mostraram que o Google direciona usuários preferencialmente para grandes marcas nacionais em detrimento de veículos locais ou independentes. Na América Latina, nomes históricos viraram, na prática, palavras-chave.
Isso significa que, para muitas buscas, basta ter uma marca conhecida para ocupar o topo — independentemente da qualidade ou originalidade do conteúdo. O algoritmo não está premiando bom jornalismo, e sim reputação consolidada.
Uma história de domínio crescente
A atual supremacia do Google não surgiu do nada. Em menos de duas décadas, a empresa comprou peças-chave da internet: AdSense (2003), Android e Google Analytics (2005), YouTube (2006) e DoubleClick (2007). Cada aquisição reforçou o controle sobre publicidade, distribuição e dados.
Em 2022, a Alphabet, controladora do Google, faturou US$ 257 bilhões. Uma parte dessa receita vem justamente da publicidade que antes sustentava a imprensa.
Iniciativas insuficientes
Projetos como o Google Innovation Challenge financiaram dezenas de iniciativas, mas nenhuma resolveu a lacuna de SEO que impede pequenos veículos de competir.
A atualização mais recente do algoritmo, batizada de “Conteúdo Útil” (2022), prometia valorizar textos “escritos por pessoas, para pessoas”. Na prática, apenas reforçou a dependência de redações que já possuem equipes técnicas robustas.
O que fazer?
No documento, defende-se duas frentes:
- Mudanças no algoritmo para equilibrar resultados, evitando que marcas legadas monopolizem buscas de notícias.
- Regulação. A Austrália é o exemplo mais citado. Em 2021, aprovou o News Media Bargaining Code, que obrigou Google e Facebook a pagar pelo conteúdo jornalístico exibido em seus serviços. Resultado: cerca de US$ 140 milhões anuais para redações australianas, que ampliaram equipes e contrataram repórteres.
Iniciativas semelhantes avançam em Canadá, Índia, EUA e África do Sul. No Brasil, porém, uma proposta foi enterrada em 2022 após lobby do Google e apoio do então presidente Jair Bolsonaro.
Democracia em risco
A América Latina vive um momento de polarização extrema. Demagogos e populistas atacam a imprensa, enquanto plataformas digitais concentram distribuição e receita publicitária. Sem uma correção de rota — seja por iniciativa das empresas, seja por ação regulatória — o continente corre o risco de ver desaparecer justamente os veículos que investigam abusos de poder e dão voz a populações marginalizadas.
O Google pode continuar a financiar programas de “inovação” e a distribuir milhões em subsídios. Mas, enquanto não mexer na estrutura que privilegia grandes players e sufoca redações independentes, sua promessa de “fazer o jornalismo florescer” continuará soando mais como marketing de consciência limpa do que como compromisso real com a democracia.
O privilégio dos grandes portais
Um amplo estudo publicado na revista Nature Human Behaviour demonstra que o Google News direciona tráfego para veículos nacionais, enfraquecendo jornais e sites locais que já lutam pela sobrevivência no mercado digital.
Pesquisadores analisaram 12,29 milhões de resultados de buscas em todos os 3.141 condados dos EUA e constataram que, a menos que o usuário insira termos geográficos explícitos, os resultados são dominados por grandes marcas nacionais.
Dados alarmantes
Mesmo em regiões com forte oferta de jornalismo local, a presença de veículos regionais não cresce. Variáveis como número de redações, população ou demanda por notícias locais mostraram pouca correlação com a probabilidade de esses veículos aparecerem no topo das buscas.
Na prática, o algoritmo desvia audiência e receita publicitária – vitais para a sustentabilidade de jornais de comunidade.
Efeito cascata
A perda de visibilidade gera menos tráfego, menos anunciantes e cortes de equipe, criando um círculo vicioso que amplia os chamados “desertos de notícias”, áreas onde não há cobertura jornalística consistente. Estudos anteriores já associam essa escassez ao aumento da polarização, desinformação e à fragilização da democracia local.
Um problema que ultrapassa fronteiras
Embora focado nos EUA, o trabalho ecoa em países como Brasil, onde grandes portais capturam a maior parte da audiência e da publicidade digital. Para pequenos veículos, acompanhar padrões de SEO e investir em infraestrutura técnica exigidos pelos algoritmos é financeiramente inviável, o que amplia desigualdades informativas.
Possíveis soluções
Especialistas defendem:
- Maior transparência do Google nos critérios de ranqueamento;
- Reformas no algoritmo para valorizar notícias de interesse público local;
- Políticas públicas de incentivo, como o News Media Bargaining Code da Austrália, que obriga plataformas a compensar produtores de conteúdo.
O que diz o Google
A empresa afirma priorizar “relevância e qualidade” e possibilitar personalização, mas não detalha como equilibrará o acesso a conteúdos locais. Sem mudanças, alertam os autores, a lógica atual reforça monopólios de informação e ameaça a pluralidade democrática.
Como mostramos recentemente, o problema está longe de ter sido resolvido. O Google continuando dando preferência para os principais jornais, mesmo em coberturas ultralocais.
Publisher do "Não é Agência!" e Especialista de SEO, Willian Porto tem mais de 21 anos de experiência em projetos de aquisição orgânica. Especializado em Portais de Notícias, também participou de projetos em e-commerces, como Americanas, Shoptime, Bosch e Trocafone.
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