Desde que lançou os AI Overviews (Visões Gerais com IA) em 2024, o Google tem promovido uma narrativa consistente: os usuários estão buscando mais, com perguntas mais complexas, e todo o ecossistema da web está se beneficiando com isso. Sundar Pichai, CEO da empresa, afirma que estamos diante de uma nova era na busca, onde usuários “fazem perguntas mais longas e complexas” e têm acesso ao “melhor da web”.
Mas, como costuma acontecer com declarações institucionais amplas, a realidade está nos detalhes.
Com os dados de Similarweb e Kevin Indig, podemos ver que algumas das alegações do Google são parcialmente verdadeiras — mas escondem nuances que precisam ser expostas, principalmente por quem trabalha com SEO, marketing digital ou depende do tráfego orgânico para existir online.
As pessoas estão pesquisando mais?
O Google afirma que sim — e há dados que apontam um aumento de 9% no número de visitas por usuário nos Estados Unidos após o lançamento dos AI Overviews. De fato, isso sinaliza que usuários estão voltando mais vezes ao Google, o que à primeira vista parece positivo para o ecossistema. Porém, esse aumento na frequência não significa necessariamente maior engajamento com o conteúdo.
Os dados mostram que, ao mesmo tempo em que as visitas aumentam, o tempo por visita diminuiu. Ou seja, o comportamento dominante não é o da exploração, mas sim o da resolução imediata. O usuário chega, recebe uma resposta direta da IA e sai. É o que podemos chamar de padrão “resolve e vá embora”.
Esse comportamento se alinha ao objetivo do Google de tornar sua IA a primeira e última parada da jornada informacional. Mas isso não significa mais tempo com o Google — significa menos tempo na web.
Os usuários estão mesmo fazendo perguntas mais longas e complexas?
Essa é uma das afirmações mais repetidas por Pichai: que os AI Overviews estão “mudando a forma como as pessoas pesquisam”, incentivando perguntas mais sofisticadas. Mas a análise detalhada dos dados não confirma essa tese.
Nos Estados Unidos, a média de palavras por consulta cresceu de 3,27 para 3,37 em dois anos — um aumento de apenas 3%. Na prática, isso não configura uma mudança significativa no comportamento do usuário. No Reino Unido, o comprimento médio da busca caiu após o lançamento dos AI Overviews, e na Alemanha, país usado como grupo de controle (onde os AIOs só chegaram em 2025), o crescimento foi semelhante ao de mercados onde a IA já estava em uso.
Ou seja: se há uma mudança no padrão das perguntas, ela é marginal e, muito provavelmente, independente da presença dos AI Overviews.
Mais visitas ao Google — mas para onde vai o tráfego?
Talvez o ponto mais importante da discussão esteja na seguinte pergunta: se as pessoas visitam mais o Google, isso gera mais tráfego para os sites?
A resposta é ambígua. De um lado, sim: páginas que aparecem associadas a palavras-chave com AI Overviews tiveram um aumento de 22% em visualizações nos EUA após o lançamento da funcionalidade. Porém, palavras-chave sem AI Overviews continuam a gerar quase o dobro de pageviews.
Ou seja, os sites que conseguem figurar dentro dos AI Overviews podem colher ganhos incrementais. Mas, como a IA responde diretamente a muitas perguntas, a maioria dos usuários não precisa clicar em lugar nenhum. O tráfego é centralizado — o usuário resolve sua dúvida dentro da SERP e sai dali.
Essa mudança de comportamento prejudica a web como a conhecemos: menos páginas visitadas, menos tempo no site, menos oportunidade de conversão.
O que dizem os dados por país?
Nos Estados Unidos, onde os AI Overviews estão mais amadurecidos, os efeitos são visíveis: maior número de visitas, mas sessões mais curtas e menos páginas por visita. Já no Reino Unido, onde os AI Overviews foram lançados em agosto de 2024, o volume de visitas após o lançamento caiu ligeiramente, e o tempo no site se manteve estável ou em queda.
Na Alemanha, onde a funcionalidade chegou só em março de 2025, a queda no tempo de permanência foi ainda mais acentuada. Isso sugere que o fenômeno não é apenas fruto da IA, mas talvez de um modelo de busca que está se tornando cada vez mais orientado a respostas rápidas e autossuficientes.
Quem ganha com os AI Overviews?
O Google, sem dúvida, é o maior beneficiado. O aumento de visitas à plataforma, ainda que com sessões mais curtas, fortalece sua posição como intermediário de quase todas as jornadas de descoberta online. Apesar da queda no tempo de engajamento, os cliques se tornam mais valiosos — e, como mostram análises financeiras recentes, é o aumento no custo por clique (e não a qualidade do engajamento) que impulsiona os lucros da Alphabet.
Para os produtores de conteúdo, veículos de mídia, ecommerce e criadores independentes, os ganhos são incertos. A IA da Google consome conteúdo da web, reempacota, e entrega ao usuário sem necessidade de clique. O tráfego que antes fluía naturalmente agora é filtrado — e só parte dele escapa.
Para onde vamos agora?
A chegada dos AI Overviews marca um novo capítulo na relação entre buscadores, usuários e produtores de conteúdo. O Google está tentando reconfigurar o que significa “buscar”. A promessa de mais buscas, mais inteligência e mais facilidade precisa ser contrastada com o fato de que cada vez menos do ecossistema da web se beneficia diretamente dessa dinâmica.
Mais pessoas estão indo ao Google. Mas estão ficando menos. Estão clicando menos. Estão pensando menos sobre de onde vêm as informações. Estão interagindo com um resumo automatizado, muitas vezes sem saber que esse resumo é alimentado por sites reais, que precisam ser visitados, lidos e valorizados.
E para os profissionais de SEO e marketing?
Essa nova realidade exige ajustes estratégicos urgentes:
- Adaptar conteúdos para serem elegíveis aos AI Overviews, com informações estruturadas, claras e atualizadas;
- Criar conteúdos que ofereçam mais profundidade do que os resumos da IA — algo que justifique o clique;
- Monitorar diferenças regionais no comportamento do usuário para adaptar a abordagem por mercado;
- Enfatizar experiência do usuário: se o clique é raro, ele precisa valer a pena.
Mais busca nem sempre significa mais oportunidade
A ideia de que “as pessoas estão buscando mais” é tecnicamente verdadeira. Mas isso não significa que elas estão se engajando mais com o conteúdo, nem que o tráfego orgânico está crescendo de maneira saudável.
Estamos assistindo à consolidação de um modelo onde o Google centraliza não só a busca, mas também a resposta, a navegação e o destino final da jornada. O papel do criador de conteúdo está sendo redefinido — e talvez reduzido.
A grande pergunta que fica é: quando o Google responde tudo, quem ainda precisa visitar um site?
No próximo conteúdo, exploraremos justamente isso: qual o impacto real dos AI Overviews no tráfego e no engajamento dos sites? E, afinal, o ecossistema está mesmo crescendo — ou apenas o Google está?
Fique atento. A segunda parte pode mudar sua forma de fazer conteúdo para sempre.
Willian Porto tem mais de 21 anos de experiência em projetos de SEO, tendo participado de projetos em e-commerces, como Americanas, Shoptime, Bosch e Trocafone, além de Portais de Noticia, como Folha Dirigida e Central da Toca.
É fundador do "Não é Agência!"