Nilay Patel, do The Verge, colocou Sundar Pichai, CEO do Google e Alphabet, em uma posição delicada após o Google I/O, um evento que transbordou anúncios sobre Inteligência Artificial. A entrevista revelou a “confiança real” do Google em sua tecnologia, mas também levantou sérias questões sobre o futuro da produção de conteúdo, SEO e monetização de portais, com Pichai oferecendo respostas que, para muitos criadores, soam mais como ameaças veladas do que parcerias.
Aqui, mais do que mostrar o ponto de vista do CEO do Google, faremos uma análise crítica sobre tudo que foi dito. Além disso, voltaremos a este artigo para cobrar que as promessas de Pichai sejam cumpridas.
Um produto maduro?
Patel inicia notando a percepção de que o “Google se sente muito confiante agora” (0:03:18) em relação à sua tecnologia de IA. Pichai atribui essa confiança à “profundidade e amplitude da fronteira da IA que estamos empurrando” (0:00:52), e ao tema central do I/O: “pesquisa se torna realidade” (0:01:04). Ele reforça que o Google é uma “empresa de ciência da computação profunda” (0:01:09) e tem sido “IA first por um tempo” (0:01:12).
Análise Crítica: A “realidade” que o Google está construindo parece ser uma onde ele se consolida ainda mais como o intermediário supremo da informação. Quando Pichai diz que estão “colocando tudo isso junto e trazendo para nossos produtos na profundidade e amplitude que é… realmente gratificante de ver” (0:01:14 – 0:01:21), a gratificação parece ser unilateral. Para publishers, a “realidade” iminente é a de um ecossistema onde seu conteúdo original é cada vez mais absorvido e sintetizado pela IA do Google, sem uma contrapartida clara.
Inclusive, é difícil acreditar que o produto do Google esteja maduro. Ao contrário, ter visibilidade em AI Overviews, por exemplo, não é uma tarefa difícil. Com algum spam já é poseivel ter resultados.
Tráfego para Publishers
O “AI Mode” (AI Overviews/SGE), agora sendo lançado nos EUA, é o exemplo mais gritante. Patel cita a contundente declaração da News Media Alliance: “Links eram a última qualidade redentora da busca que dava aos publishers tráfego e receita. Agora o Google pega o conteúdo à força e o usa sem retorno, a definição de roubo.” (0:21:59).
A resposta de Pichai é um clássico exemplo de como grandes corporações tentam dourar a pílula. Ele afirma que “através de todos os nossos produtos, incluindo o AI Mode, ele vai ter fontes” (0:22:31) e que estão “comprometidos como uma direção de produto… para… garantir que estamos enviando tráfego para uma gama mais ampla de fontes, publishers” (0:22:37), e que esse será “tráfego de referência de maior qualidade” (0:22:49).
Análise Crítica: A promessa de “gama mais ampla” e “maior qualidade” é vaga e serve para desviar da questão central: a canibalização do tráfego. Publishers não vivem de “qualidade de referência” abstrata, mas de usuários que chegam aos seus sites, consomem seu conteúdo e interagem com sua publicidade.
Se o AI Mode responde diretamente à dúvida do usuário, o incentivo para clicar e visitar a fonte original diminui drasticamente. A “definição de roubo” não é um exagero para quem vê seu trabalho sendo usado para treinar modelos que, em última instância, competem diretamente por sua audiência.
Inclusive, atualmente, é necessário escolher entre não treinar os modelos de IA do Google e não aparecer nas pesquisas de forma otimizada.
O futuro é dos agentes?
Patel explora o futuro da web, citando Demis Hassabis e a ideia de uma “web orientada por agentes” (0:28:17), onde a web poderia se tornar um conjunto de bancos de dados para IAs. Pichai parece concordar, afirmando que “a web é uma série de bancos de dados, etc. Nós construímos uma UI sobre ela para todos nós consumirmos.” (0:28:51) e que Demis estava falando sobre “como tornar esse processo mais eficiente” (0:29:13).
Análise Crítica: A “eficiência” aqui é para a IA, não necessariamente para o ecossistema. Se a web é um mero repositório de dados, o valor do conteúdo original e da marca do publisher é reduzido a commodity. O SEO, como o conhecemos, pode se tornar obsoleto, substituído por uma otimização de dados para agentes de IA – um jogo cujas regras o Google, mais uma vez, ditaria. A “UI construída sobre” os bancos de dados será, predominantemente, a interface do Google.
Conteúdo de baixa qualidade
Sobre o aumento massivo de conteúdo na web – “o número de páginas da web disponíveis para nós aumentou 45% nos últimos dois anos” (0:25:30) – Pichai minimiza a preocupação com conteúdo gerado por IA de baixa qualidade. Ele diz: “nós geralmente temos muitas técnicas em busca para tentar entender a qualidade de uma página, incluindo se foi gerada por máquina, etc.” (0:26:16).
Análise Crítica: Pichai não aborda diretamente a ironia de que o próprio Google cria conteúdo de baixa qualidade com sua IA. Inclusive, ela mesma informa que seu conteúdo pode ter erros?
Nesse sentido, não deveria a própria AI Overviews ser rebaixada num tipo de Atualização de Conteúdo Útil?
A capacidade do Google de discernir “qualidade” é crucial, mas a definição de “qualidade” pode, convenientemente, se alinhar aos interesses do Google em fornecer respostas rápidas e manter o usuário em seu domínio.
Para piorar, nem mesmo os conteúdos que talvez tenham sido criados por humanos estão sendo bem classificados. No Discover, o Google tem escolhido páginas de valor duvidoso para mostrar ao usuário.
Multimodalidade
A discussão sobre multimodailidade e a capacidade da IA de “tornar zero atrito a passagem de um formato para outro” (0:27:27), porque “nossos modelos são nativamente multimodais” (0:28:15), é outro ponto de tensão.
Análise Crítica: “Zero atrito” para quem? Para o Google, certamente, que poderá transformar artigos em vídeos, resumos de áudio em texto, etc., com facilidade. Mas como fica a atribuição e a compensação para os criadores originais desses formatos? Pichai não oferece detalhes, apenas a promessa de que “o poder do que você será capaz de criar na web… nós não demos esse poder aos desenvolvedores em 25 anos. Isso está por vir.” (21:00:24). O “poder” parece ser para os desenvolvedores que usam as ferramentas do Google, não necessariamente para os criadores de conteúdo originais.
Um dos motivos para se escolher a multimodalidade é um possível esgotamento de conteúdo textual. Entender vídeo, audio, imagens etc. garante ao Google a capacidade de continuar entregando conteúdo alheio, sem monetização por outras vias.
Liberdade?
Quando questionado sobre a monetização de plataformas de terceiros (Uber, DoorDash) em um futuro com agentes de IA, Pichai recorre a analogias: “Você poderia ser um restaurante que decide: ‘Não vou participar do negócio de delivery. Vou focar apenas na experiência de jantar no local.’ Você terá algumas pessoas, vice-versa… todos os tipos de modelos podem surgir.” (29:35:01).
Análise Crítica: Esta analogia falha em reconhecer a diferença fundamental: o restaurante controla sua experiência e seus preços. No cenário dos agentes de IA, o Google (ou outro provedor de agente) é o intermediário que controla o acesso e, potencialmente, a negociação de valor. A “escolha” do publisher pode ser entre participar nos termos do Google ou se tornar invisível.
No final das contas, a pretensa liberdade só fornece aos editores duas opções: procurar uma nova ocupação ou tentar seguir o caminho do Google de alguma forma.
Trump….
Sobre a pressão política e a integridade dos algoritmos, Pichai é categórico: “Não.” (0:36:03), ele não ajustaria o AI Mode em resposta a pressões políticas como as de Trump. Ele afirma: “Nós temos… eu não posso… hoje, da forma como o Google Search funciona, eu não posso… nenhuma pessoa no Google pode influenciar o algoritmo de ranqueamento individualmente.” (0:36:06).
Análise Crítica: Enquanto a estrutura de ranking tradicional do Google pode ser robusta contra interferências individuais diretas, os “system prompts” dos modelos de IA do AI Mode são um novo vetor de influência. A definição de “qualidade”, “segurança” ou “utilidade” que molda as respostas da IA é inerentemente subjetiva e pode ser ajustada. A confiança aqui depende da transparência, algo que o Google historicamente reluta em oferecer em detalhes.
Talvez, aqui, o ponto seja o contrário. Em Trump, Pichai tem encontrado segurança para implementar todas suas políticas.
A entrevista com Sundar Pichai pinta um quadro de um Google extremamente confiante em sua liderança tecnológica na IA. No entanto, essa confiança não se traduz em respostas claras ou reconfortantes para o vasto ecossistema de criadores de conteúdo que construíram a web que o Google agora parece disposto a consumir e reformatar em seu próprio benefício.
A “nova era da IA” do Google pode ser uma era de ainda maior dependência e incerteza para aqueles que produzem a informação que alimenta esses modelos.
Estaremos aqui para lembrar Pichai de cada palavra.
Publisher do "Não é Agência!" e Especialista de SEO, Willian Porto tem mais de 21 anos de experiência em projetos de aquisição orgânica. Especializado em Portais de Noticia, também participou de projetos em e-commerces, como Americanas, Shoptime, Bosch e Trocafone.