Com a popularização da inteligência artificial, gestores de grandes veículos de comunicação do Brasil se reuniram no 20º Congresso da Abraji para debater como integrar essa tecnologia às redações sem comprometer a ética, a qualidade editorial e, principalmente, a confiança do público.
A mesa, mediada por Katia Brembatti (Estadão Verifica e presidente da Abraji), contou com a presença de Camila Marques (Folha de S.Paulo), Cláudia Croitor(G1), Eurípedes Alcântara (Grupo Estado) e Luiza Baptista (O Globo). Os temas foram desde o plágio e os direitos autorais até a complexa relação com as Big Techs e o futuro da monetização do jornalismo.
O desafio da cópia e a relação com as Big Techs
Um dos pontos mais sensíveis da discussão foi a apropriação de conteúdo jornalístico por modelos de IA. Eurípedes Alcântara, do Estadão, classificou a prática como pirataria e um “neo-colonialismo digital”, destacando que seu veículo foi conversar diretamente com as empresas de IA para tratar do assunto.
Camila Marques, da Folha, afirmou que seu jornal é constantemente copiado e que, embora utilize notificações extrajudiciais, o judiciário muitas vezes considera a citação da fonte como suficiente, permitindo que sites que copiam conteúdo ranqueiem melhor.
Conexão com o Google
Pude fazer a primeira pergunta da programação, indagando que para organizações de pequeno e médio porte, o Google tem se mostrado mais maléfico que outras IAs generativas.
Camila Marques destacou a complexidade da relação com o Google:
“Com o Google a gente ainda consegue conversar. Existe uma pessoa jurídica que me responde. É o que eu chamo de frenemies (amigos-inimigos)”.
Eurípedes concordou, afirmando que o Google tem uma estrutura acessível no Brasil, mas considera a relação uma “realidade inamovível”, mencionando que o debate global já caminha para um “mundo pós-Google”. Além disso, relatou como o tráfego orgânico está em queda também no Estadão.
Nesse sentido, eles imaginam que a relação com outras empresas de IA mais dificultosa do que as que eles têm com o Google, como disse Eurípedes.
Vale destacar, é difícil para pequenas e médias redações terem tratamento tão próximo com o Google. Eurípedes, por exemplo, disse que a equipe do Google explica mudanças de algoritmo, embora não “abra a caixa preta”.
Na maior parte dos casos, os editores não têm nem mesmo um e-mail de fácil acesso em que possam se comunicar com o Google. Ao fazerem perguntas técnicas, são encaminhados para o fórum. No caso das quedas em Discover, por exemplo, poucos conseguiram contatos que explicassem a situação ou dessem alguma luz.
A fala de Eurípedes, também destaca um ponto relevante para diversos profissionais: é necessário depender menos do Google, ampliando a percepção de entrega de valor. Ideia central de empresas como Business Insider e Mail Online.

Adaptação nas Redações: IA como ferramenta, não como fim
Todos os veículos presentes na mesa deixaram claro que a IA está sendo incorporada como um meio para otimizar o trabalho, e não como um substituto para o jornalista.
Cláudia Croitor explicou que o G1 realiza treinamentos para usar a tecnologia para melhorar textos, sugerir pautas e analisar grandes volumes de dados, mas sempre com supervisão humana. A transparência é um pilar:
“Temos textos e vídeos que são feitos automaticamente e avisamos quando o conteúdo de Loteria, por exemplo, foi feito com IA. Contamos tudo para o leitor”, afirmou.
Na Folha, a diretriz é clara:
“IA sempre como meio, nunca como fim”, disse Camila Marques.
O veículo desenvolveu ferramentas proprietárias e reforça que a responsabilidade final pelo conteúdo é sempre do jornalista que assina a matéria.
Luiza Baptista, do O Globo, complementou que a redação foi treinada em workshops para experimentar e entender os limites da tecnologia, enquanto Eurípedes Alcântara pontuou que no Estadão nenhum conteúdo pode ser criado de forma totalmente automática.
Questionados sobre qual IA usar, os palestrantes indicaram que não há uma única resposta. A recomendação é usar mais de uma ferramenta para checagem cruzada.
“É uma boa prática usar uma IA para fazer a contra-checagem do que outra IA fez”, explicou Camila Marques.
Mesmo alertando para os problemas e dificuldades em usá-la como produto final, todos convidados concordaram que os jornalistas devem usar IA hoje. Caso não façam uso, “há algo errado”.

O futuro do jornalismo e a educação midiática
A audiência demonstrou preocupação com o futuro do jornalismo, especialmente com as novas gerações que consomem informação via TikTok e o risco de um “colapso” na percepção de valor do trabalho profissional.
Cláudia Croitor citou o projeto Fato ou Fake como uma iniciativa de educação midiática fundamental para ensinar o público a buscar fontes confiáveis, especialmente com o avanço dos deepfakes. “A gente precisa ensinar as pessoas que elas têm que ir numa fonte confiável, ainda mais hoje, com vídeos falsos do William Bonner circulando todos os dias”, alertou.
Para Camila Marques, a educação midiática transcende as redações e deveria ser tratada como política pública. “A gente está dando um remédio para quem está com diarreia. A política pública e a obra de infraestrutura têm que ser feitas de forma muito mais abrangente”, comparou.
O papel das universidades também foi abordado. Katia Brembatti, que também é professora, relatou que orienta seus alunos a usarem a IA como ferramenta, mas sem abandonar o senso crítico.
“Não me entregue um texto feito pela inteligência artificial que você não corrigiu. Dei uma bronca geral na turma que me entregou um resumo de livro cujo autor foi alterado pela IA, e a pessoa não percebeu”, exemplificou.

Veja um resumo de cada participante
Cláudia Croitor (G1)
Cláudia Croitor descreveu a postura do G1 como de integração pragmática, focando em treinamento para que a redação utilize a IA como ferramenta para otimizar o trabalho – seja para tornar textos mais concisos ou gerar ideias de pautas. Ela enfatizou que a transparência é um pilar, e o portal avisa os leitores quando um conteúdo, como o de Loterias, é gerado automaticamente, mas reiterou que toda produção precisa da supervisão humana.
Sobre as ameaças externas, Croitor acredita que bloquear bots não é uma solução eficaz, pois os modelos já “rasparam” boa parte dos sites. Ela reconhece a dificuldade em proteger dados proprietários, como entrevistas, da cópia por ferramentas como o Perplexity, e expressou incerteza sobre como as novas gerações, acostumadas com o TikTok, perceberão o valor do jornalismo profissional.
Luiza Baptista (O Globo)
Para Luiza Baptista, a principal questão a ser resolvida é a garantia do Direito Autoral para o conteúdo jornalístico utilizado pela IA, embora admita não ter uma resposta clara sobre como isso deve ser feito. Segundo Baptista, a redação inteira foi treinada em workshops para usar e experimentar a tecnologia, entendendo seus limites.
Ela apontou a dificuldade técnica de vetar todos os bots, que se modificam constantemente, tornando o bloqueio via publicador ineficaz. Olhando para o futuro, Baptista expressou incerteza sobre as mudanças que virão, notando o aumento da busca “sem cliques” do Google e ressaltando que a discussão sobre o tema permanece muito aberta, especialmente no contexto brasileiro.
Camila Marques (Folha de S.Paulo)
Camila Marques defendeu a filosofia clara de “IA sempre como meio, nunca como fim”. Nenhum conteúdo é publicado sem intervenção humana, e ela reiterou que o jornalista que assina a matéria é sempre o responsável final. A tecnologia, para ela, ajuda a potencializar mentes brilhantes, e o bom jornalismo consegue extrapolar o que a IA entrega.
No âmbito regulatório, Marques clamou por uma política de remuneração, observando que o debate está mais avançado na Europa e nos EUA. Ela se disse muito copiada e criticou a interpretação judicial que muitas vezes considera a citação da fonte suficiente, legalizando a pirataria.
Marques também fez um contraponto, apontando uma certa “prepotência” do jornalismo em não valorizar o próprio trabalho, o que dificulta a prova de valor para ter uma discussão mais benéfica para todo o ecossistema do jornalismo, se comparado com outras áreas, que conseguem negociar melhores condições.
Por fim, ressaltou que os sites menores são os mais impactados pelo “Modo IA” e que, embora a forma de remuneração seja incerta, ela é fundamental.
Eurípedes Alcântara (Estadão)
Eurípedes Alcântara descreveu a postura do Estadão como de enfrentamento direto, inspirado pelo New York Times. Ele classificou a apropriação de conteúdo como “pirataria” e “neo-colonialismo digital”, informando que o grupo foi conversar diretamente com as empresas de IA, encontrando mais resistência na Perplexity.
Internamente, segundo Alcântara, o uso da IA é permitido apenas para etapas iniciais, e nenhum conteúdo é criado de forma automática; tudo é produzido por pessoas. Ele defendeu que o valor do jornalismo e o esforço humano irreplicável precisam ser explicados ao Congresso e criticou a brecha do “uso transformativo” que tribunais americanos têm permitido. Para o futuro, a aposta de Alcântara é na relevância e na construção de uma identidade forte, resumida na pergunta: “Se o Estadão fosse um Hospital, qual seria?”.
Perguntado sobre o futuro do jornalismo, fez uma analogia interessante. Disse que a Idade da Pedra não finalizou por falta de Pedra, mas for falta de interesse nela. Nesse caso, ele pensa, não haverá falta de fatos ou interesse neles, o que impede que o jornalismo se torne irrelevante.
Publisher do "Não é Agência!" e Especialista de SEO, Willian Porto tem mais de 21 anos de experiência em projetos de aquisição orgânica. Especializado em Portais de Notícias, também participou de projetos em e-commerces, como Americanas, Shoptime, Bosch e Trocafone.
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