Google Discover: dependência de portais de notícias chega a nível recorde com AI Overviews e Modo IA

Willian Porto
12 Min Read

O feed do Google Discover, que se tornou a principal porta de entrada do Google para muitos sites de notícias.

Novos dados revelam que mais de dois terços do tráfego que o Google envia para os maiores portais de notícias do mundo já vêm do seu feed de conteúdo, sugerindo uma dependência preocupante desta fonte de visitas e receita publicitária.

Desde que foi relançado em 2018, o Google Discover — aquele feed de notícias servido nos aplicativos do Google e no sistema Android — tornou-se um pilar para muitos publishers. Agora, dados exclusivos da plataforma de análise Chartbeat, obtidos pelo Press Gazette, quantificam essa dependência: 68% de todo o tráfego do Google para quase 2.000 sites de mídia globais vem do Discover. A busca tradicional responde por apenas 32%.

Discover como rei

No panorama geral do tráfego, o Google representa 25% de todas as visitas aos publishers. Grandes portais são, em sua maioria, menos dependentes de Google, enquanto os médios e pequenos dependem mais dele para atrair tráfego. A excessão pode estar em portais de influenciadores, que conseguem performar bem via redes sociais.

Esse número se divide em 17% vindos do Discover e apenas 8% da busca orgânica. Essa transição se acelerou com a implementação das Visões Gerais de IA (AI Overviews) do Google, tornando o Discover, para muitos, a maior fonte individual de visitantes.

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Por mais que o Google desminta, diversos estudos têm confirmado a queda de tráfego vinda de pesquisa. Aqui, está apenas mais um desses casos.

O poder do Discover

Embora o Google monetize o Discover com anúncios, este produto existe mais por razões estratégicas do que por seu retorno comercial. A Alphabet não detalha a receita do Discover em seus balanços financeiros. No entanto, um cálculo aproximado, baseado nos 800 milhões de usuários ativos mensais de 2019, sugere que a plataforma gera entre 500 milhões e 2 bilhões de dólares.

Isso representa de 0,1% a 0,5% da receita total da empresa. Em outras palavras, o Google poderia encerrar o Discover amanhã, e o impacto para seus investidores e negócios principais (busca, publicidade, nuvem e IA) seria quase nulo.

Então, por que mantê-lo? Como bem mostra, PressGazette, é poder. Primeiro com o mercado, depois com os usuários.

Uma moeda de troca na relação com os publishers

Muito mais importante que a receita, o Discover dá ao Google uma poderosa alavancagem em sua relação cada vez mais fraturada com os publishers, dos quais depende para alimentar seus produtos de busca e IA.

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À medida que o tráfego da busca orgânica diminui, impactado pela IA, o tráfego do Discover preenche parte dessa lacuna. Isso permite que o Google defenda o “valor” que oferece aos produtores de conteúdo sem precisar pagar por ele, usando o acesso ao Discover como moeda de troca.

O Google já demonstrou estar disposto a usar essa vantagem:

  • Na França: Diante de novas leis de direitos autorais, o Google pressionou os publishers a assinarem acordos de licenciamento sem compensação financeira. A tática foi usar o tráfego do Discover como isca para forçá-los a ceder seu conteúdo gratuitamente na busca.
  • Com a IA: Atualmente, os publishers podem remover seu conteúdo das Visões Gerais de IA usando o comando “nosnippet”. No entanto, essa ação também prejudica a visibilidade no Discover e na busca geral, criando uma escolha impossível.

Se o declínio do tráfego de busca continuar, chegará um ponto em que a única razão para um publisher permanecer indexado no Google será o tráfego vindo do Discover.

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A disputa entre Google e França sobre os direitos autorais

Em 9 de abril de 2020, a Autoridade Francesa de Concorrência ordenou que o Google negociasse de boa-fé com editores e agências de notícias. A Autoridade considerou que o Google detinha uma posição dominante no mercado e que suas práticas eram provavelmente anticompetitivas.

As razões apresentadas foram as seguintes:

  • Imposição de condições desleais: O Google impôs unilateralmente a não remuneração pelo uso de conteúdo protegido, sem dar aos editores e agências de notícias qualquer chance de negociação.
  • Abuso de posição dominante: A empresa se recusou a fornecer as informações necessárias para calcular a remuneração devida e contornou a nova lei ao utilizar títulos completos dos artigos, alegando que isso não estava sob o escopo da legislação.

A Autoridade ressaltou que esse comportamento, em um momento de crise para o setor de imprensa, provavelmente privaria os veículos de uma fonte vital de receita, comprometendo a sustentabilidade de suas atividades.

Com base nisso, a Autoridade Francesa de Concorrência determinou que o Google deveria:

  • Negociar de boa-fé com editores e agências de notícias que o solicitassem, aplicando critérios transparentes. Essas negociações deveriam ser retroativas a 24 de outubro de 2019.
  • Concluir as negociações em até três meses a partir do pedido de um editor ou agência de notícias.
  • Enviar relatórios mensais para a Autoridade, detalhando o cumprimento da decisão.

Além disso, a decisão proibiu que o Google alterasse a indexação, classificação e apresentação dos conteúdos durante as negociações. 

Manutenção do status-quo

Outro ponto relevante no Discover é a manutenção do status-quo. Ao integrar um feed altamente engajante e viciante, a empresa está, em última análise, trabalhando em prol do conservadorismo dos usuários.

Quanto mais as pessoas utilizam o app do Google, menores são as chances de que elas venham a usar outro buscador em curto e médio prazo.

Além disso, dificultou que outras empresas conseguem ter escala em seus projetos de feeds e ocupar o espaço, como a Samsung.

Samsung Free tentou por muitos anos ter sucesso em seu Feed de notícias

Em 2023, a empresa tentou um rebranding para aproximá-lo do Discover, que a essa altura, já era muito utilizado em todo mundo.

Samsung tentou aproximar o Samsung News do Google Discover – Fonte: Divulgação/Samsung

Menos regulação, mais liberdade para o Google

Outro ponto de vulnerabilidade é a falta de supervisão regulatória. Enquanto a busca do Google é alvo de investigações e regulações por órgãos de concorrência em todo o mundo, como no Reino Unido, o Discover opera em uma zona cinzenta.

Diferente de mudanças no algoritmo de busca — que são acompanhadas de perto pela indústria —, o Google pode alterar arbitrariamente o que aparece no Discover para servir a seus interesses estratégicos, sem grandes consequências comerciais ou escrutínio público. Essas mudanças já causaram prejuízos severos a publishers, levando a demissões significativas de jornalistas em redações de alcance nacional.

Falamos sobre isso quando o Google fez severas mudanças nos algoritmos de Discover brasileiro. Embora as mudanças tenham sido profundas e levado portais a fecharem as portas, pouco se discutia no cenário nacional. Os principais portais e influencers apenas pincelaram o tema.

Isso se deve, entre outras coisas, a maior dificuldade em rastrear e quantificar, em dados de mercado, os resultados obtidos. Semrush e Similarweb, por exemplo, nem mesmo conseguem distinguir os resultados de Discover do Direto.

Além disso, a maior circulação de dinheiro em SEO está no e-commerce e na venda de produtos SaaS. Dessa maneira, menos pessoas se importam com o tráfego vindo de Discover.

Isso gera maior facilidade para golpistas e Youtubers ensinarem fórmulas para conseguir resultados no canal.

O tipo de conteúdo que o Discover recompensa é um desserviço ao jornalismo

Em uma era ameaçada pela IA, a estratégia da maioria dos publishers deveria ser criar um relacionamento direto e pago com leitores fiéis. O foco deveria estar em servir a um público definido com conteúdo de valor, algo que a IA não pode replicar facilmente.

Perseguir o sucesso no Google Discover vai na contramão dessa lógica.

Tudo isso desvia recursos e atenção da produção de jornalismo de qualidade, que é o único caminho para a sustentabilidade na nova era da mídia.

De forma reiterada, temos visto acontecer no Brasil. Inclusive, os resultados têm chamado atenção de especialistas internacionais:

(Nunca estive no Brasil e não sei muito sobre o ecossistema editorial local! Mas por que quase todo mundo lá está criando sites “Discover First”? O que nunca é a estratégia certa a longo prazo (mesmo as editoras mais conhecidas de lá estão fazendo isso).

Mesmo depois de o Google ter limitado o alcance de conteúdo de baixa qualidade, ainda há portais importantes dobrando a aposta.

Uma fundação construída sobre areia movediça

A crescente dependência do Discover cria uma nova vulnerabilidade de plataforma, sujeita a todos os riscos inerentes a esse modelo. O perigo é ainda maior quando a plataforma pertence ao Google, uma empresa que já provou, com o uso de conteúdo em suas ferramentas de IA, estar disposta a ignorar os interesses dos publishers para garantir suas próprias vantagens.

Grandes partes da indústria se tornaram dependentes do Discover, mas esta é uma posição cada vez mais precária. Tratar esse tráfego como um bônus, e não como a base de uma estratégia de audiência sustentável, tornou-se uma questão de sobrevivência.

Confiar no Google não é uma boa aposta. Entretanto, o preço para se ter audiência em massa, atualmente, passa exatamente por fazer um jornalismo estranho e de difícil defesa no futuro.

Publisher e Especialista em SEO | Web |  + posts

Publisher do "Não é Agência!" e Especialista de SEO, Willian Porto tem mais de 21 anos de experiência em projetos de aquisição orgânica. Especializado em Portais de Notícias, também participou de projetos em e-commerces, como Americanas, Shoptime, Bosch e Trocafone.

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