É uma frase que ecoa com frequência crescente nos círculos de SEO e marketing digital: “cliques não importam, o que importa são as conversões.” Ou, como um famoso influenciador de SEO diz, “Tráfego é vaidade, conversão é sanidade”.
em um primeiro olhar, parece uma declaração de maturidade estratégica, um foco no que, para muitos negócios, é o objetivo final. Contudo, essa afirmação, quando generalizada, revela uma superficialidade preocupante nas discussões sobre o futuro da web e, mais crucialmente, uma miopia que desconsidera a vasta maioria do ecossistema online.
A simplificação perigosa: “só a conversão interessa”
Quando profissionais, especialmente aqueles com forte vivência em e-commerce ou vendas diretas de serviços, afirmam que apenas as conversões são relevantes, eles inadvertidamente limitam o escopo do debate. Sim, para uma loja virtual que vende sapatos, o clique que não resulta em venda tem um valor imediato menor. Para um provedor de software SaaS, um lead que não se torna cliente é uma oportunidade perdida. Nessas realidades específicas, o funil é mais direto e a métrica de conversão é, de fato, rainha.
O problema surge quando essa lógica é transposta para toda a internet. As discussões perdem profundidade porque ignoram a complexa teia de modelos de negócios, objetivos de monetização e a própria natureza do consumo de informação online. Reduzir o valor de um visitante a uma transação imediata é desconsiderar o papel multifacetado do tráfego web.
Veja a lista com os 20 sites mais acessados do país. No caso de 17 deles, a forma principal de monetização é publicidade.

No caso acima, todos os 10 primeiros vivem principalmente da publicidade.
Dentro os 100 mais acessados, 25 têm formas primárias de monetização, além da publicidade.
Esquecer esse detalhe causa um viés importante em muitos profissionais.
A promessa do Google: menos tráfego, mais “intenção” com AI Overviews e Modo IA
Nesse cenário, surgem as inovações do Google, como o AI Overviews (Resumos Gerados por IA) e o “Modo IA” em desenvolvimento. A narrativa oficial é sedutora: a busca entregará menos tráfego, sim, mas será um tráfego mais qualificado, com maior intenção de conversão, pois a IA já terá filtrado e respondido a muitas das questões preliminares do usuário diretamente na SERP. Para o profissional focado unicamente em conversão direta, isso soa como música: menos “curiosos”, mais “compradores”.
Essa promessa se encaixa perfeitamente na mentalidade de “conversão acima de tudo”. Se o Google pode refinar o tráfego, enviando apenas aqueles usuários que estão a um passo da compra ou da contratação, então a perda de volume de cliques seria, teoricamente, compensada por uma taxa de conversão superior.
No entendimento de negócios, faz sentido. As pessoas que querem comprar geladeiras, comprarão independentemente da forma escolhida para tomada de decisão.
Entretanto, esquecemos que a simples retirada de intermediários é suficiente para quebrar vários negócios e deixar pessoas desempregadas.
Tome, como outro exemplo, os sites de notícias e dicas variadas. A maioria deles sobrevive do acesso. O simples fato de você acessar uma reportagem, notícia, dica ou conteúdo geral é suficiente para contribuir com a monetização do canal.
A inexistência do clique tem capacidade para desestimular a criação do conteúdo e, principalmente, fazer com que as pessoas alocadas nesse serviço não sejam mais necessárias.
A dissonância cognitiva: por que isso não faz sentido para a maior parte da internet?
Aqui reside o X da questão. A vasta maioria da internet não opera primariamente sob o modelo de conversão direta de produtos ou serviços. Pensemos nos sites mais visitados do mundo: portais de notícias, blogs de entretenimento, fóruns de discussão, plataformas de conteúdo gerado pelo usuário, sites informativos. O interesse primordial desses gigantes, e de milhões de outros sites menores que seguem modelos similares, é direto ou indireto na publicidade.
Para esses publishers, não existe um visitante “menos engajado” que seja irrelevante. Cada impressão de anúncio conta. Cada clique em um display ou link patrocinado gera receita. Mesmo o tráfego que apenas consome conteúdo e aumenta o tempo de permanência contribui para métricas que elevam o valor do inventário publicitário do site. A ideia de um tráfego “mais qualificado” para conversão de venda é, para eles, um conceito quase alienígena. O “engajamento” que importa é o consumo de conteúdo que expõe o usuário à publicidade.
Se o AI Overviews e o Modo IA do Google de fato reduzirem o volume de cliques, mesmo que aumentem a “qualidade” para o e-commerce, o impacto para o ecossistema de conteúdo sustentado por publicidade pode ser devastador. Menos cliques significam menos pageviews, menos impressões de anúncios e, consequentemente, menos receita.
A miopia do “e-commerce first”
Este é o cerne do problema: a tendência de muitos profissionais de marketing e SEO de analisar a internet sob a ótica do “e-commerce first”. Suas estratégias, discussões e até mesmo as ferramentas que desenvolvem são, muitas vezes, moldadas pelas necessidades de quem vende produtos e serviços diretamente ao consumidor. Eles veem a SERP como um caminho para a página de produto, e o usuário como um potencial comprador.
Essa perspectiva, embora válida para seu nicho, torna-se uma lente distorcida quando aplicada universalmente. Ignora que a internet que conhecemos foi, em grande parte, construída sobre o alicerce da publicidade digital, que financia o jornalismo, o entretenimento gratuito e a vasta gama de informações que não têm um “botão de comprar” ao final da página.
As sérias consequências dessa visão limitada já estão se desenhando. Enquanto o debate se concentra em como otimizar para um tráfego “superqualificado” que mal tocará o site antes de converter, uma imensa parcela da web que depende de volume e impressões publicitárias enfrenta um futuro incerto, com suas fontes de receita potencialmente erodidas por um sistema que prioriza um tipo específico de “eficiência”.
Lembre-se: 75% dos 100 sites mais acessados dependem da publicidade para sobreviver.
Por outro lado, o Google não depende deles mais. A parcela de recursos financeiros vindo de anunciantes em sites parceiros é cada vez menor.
Essa forma de colocar e-commerces e empresas SaaS no centro da discussão tem sentido: dinheiro. Normalmente, são eles os principais clientes das agências e dos especialistas em tráfego.
Por isso, infelizmente, os pequenos editores e sites informacionais sentem-se sem voz. Quem pode defender o seu próprio direito.

Além dos empregos
Ao perder um clique, não perdemos apenas negócios e empregos. Perdemos pessoas que dispõem do seu tempo e dedicação para criar um conteúdo exclusivo para você.
A tendência é termos uma web menos textual, menos criativa e menos democrática. Talvez, seja por isso que o Google deseje que a marca faça conteúdo multimodal.
O futuro incerto dos negócios informacionais
O dilema dos cliques versus conversões não é apenas uma discussão técnica; é um debate sobre o futuro da própria internet. A narrativa de que “cliques não importam” é uma perigosa simplificação que, impulsionada por uma mentalidade “e-commerce first” e pelas novas funcionalidades de IA do Google, pode ter consequências não intencionais (ou talvez intencionais, do ponto de vista do Google) para o vibrante, diversificado e, crucialmente, vasto ecossistema de conteúdo que depende da publicidade.
É preciso ampliar o debate, reconhecendo que um clique pode significar muito mais do que uma potencial venda. Pode ser o sustento de um jornalista, a viabilidade de um blog independente ou a simples oportunidade de um cidadão se informar. Desconsiderar isso é ignorar a própria alma da internet como a conhecemos.
Publisher do "Não é Agência!" e Especialista de SEO, Willian Porto tem mais de 21 anos de experiência em projetos de aquisição orgânica. Especializado em Portais de Noticia, também participou de projetos em e-commerces, como Americanas, Shoptime, Bosch e Trocafone.